Negligenciada anteriormente, a pauta da diversidade tornou-se incontornável em nosso tempo, após uma série de lutas históricas. No âmbito da cultura, isso se têm traduzido em ações de grupos da sociedade civil organizada, no sentido de incluir a atenção às diversidades em políticas públicas específicas para a área; e, no âmbito da produção, no aparecimento de conteúdos que buscam ser mais representativos.
“Na tela, ainda não se vê essa diversidade. Nem todas as infâncias são representadas”, avalia Vanessa Fort, coordenadora geral, editorial e de planejamento do comKids – iniciativa que promove Festival Prix Jeunesse Iberoamericano. “Mas eu tendo a acreditar que estamos num momento de grande transformação, com alguns realizadores fazendo produções interessantes. Há coisas importantes sendo construídas fora das telas, e logo logo essas perspectivas vão acabar aparecendo nelas”, contrapõe.
Roteirista, curadora e produtora, Vanessa cita os trabalhos de Gabriela Romeu (escritora e documentarista) e Renata Martins (roteirista e diretora), como exemplos destes olhares inclusivos, que se atentam para outras infâncias e juventudes que costumam ficar à margem da tela.
Diagnóstico
“Por décadas, nossas crianças vêm sendo acostumadas a consumir programas e séries ‘enlatadas’, produzidas em outros contextos o que pode criar representações da fantasia de um único mundo e em um único modo de ser criança ou jovem. A mídia que a maioria das crianças tem acesso costuma ser dominada por repetições de modelos, muitas vezes carregados de preconceitos e estereótipos (até sobre o que é o diferente). Nossas crianças encontram pouca representação nas telas. Crescem sem acesso a conteúdos que poderiam apoiá-los na compreensão de si mesmos e do mundo em que vivem”, diagnosticou Beth Carmona, responsável pela direção geral e editorial do comKids, em artigo publicado na revista SescTV e reproduzlido no site comKids.
“O próprio conceito de universal está sendo questionado. Universal a partir de quem?”, indaga Vanessa Fort. Para ela, o olhar predominante ainda é branco e de classe média. “É algo injusto. Temos realizadores negros com excelentes trabalhos. O que está na tela inspira, desde a infância, portanto ele precisa ser plural”.
Para Vanessa Fort, é importante um olhar crítico para a forma como setor audiovisual lida com o desafio da representação. Esta, ela explica, ainda não se dá na dimensão que deveria, contemplando diversas infâncias. “Não apenas a negra fica de fora, mas também outros tipos de infância, como a indígena. A discussão ainda precisa passa pelas questões de gênero e de identidade de gênero. É um tema super-urgente. E, dentro dos canais de TV, ele precisa ser muito discutido, para que a gente possa superar aqueles conteúdos que insistem em dizer o que as meninas podem fazer e o que os meninos podem fazer, por exemplo. Isso acaba determinando uma cultura hegemônica, que não permite a criança ser o que ela é e a se desenvolver em liberdade”, explica.
Outra questão a ser observada, lembra Vanessa Fort, é o da representatividade no “backstage”. “A representação também precisa estar nas equipes de produção”, argumenta. “Sem sombra de dúvida, as coisas tem a ver uma com a outra. A gente não questiona coisas naturalizadas. Uma equipe que é diversa tira a coisa de uma zona de conforto, acaba dando outras perspectivas”, explica.